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quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Leno Azevêdo - A Jovem Guarda vai à forra


 


É tarde da noite. Enquanto parte da vizinhança dorme e, na rua, as luzes dos carros borram o asfalto, na sacada do apartamento onde mora, no alto de um edifício em Petrópolis, um senhor de 60 anos, de ar jovial, nos entretém durante quase duas horas falando de música e política. Esse senhor tem muito a dizer. Coisas até que estavam engasgadas. Seu nome de cartório: Gileno Osório Wanderley de Azevedo, e o artístico, Leno. Sim, sim... É o do par Leno e Lilian da Jovem Guarda, que nos anos 60 fez grande sucesso com “Pobre menina” e “Devolva-me”. A nossa conversa é muito sobre aquele período – a rusga com o pessoal da MPB (“chato pra cacete!”, segundo Leno), mas também sobre o presente. Leno continua produzindo e tocando.

Cleo Lima, Itaércio Porpino e Marcelo Tavares: Fale um pouco de sua infância. Você nasceu em Natal, mas foi para o Rio ainda pequeno, não é isso?
Leno: O pessoal pensa que meu pai estava de passagem e que eu só nasci em Natal, mas eu tenho raízes fortes aqui. Meu pai era militar e serviu aqui na guerra, e minha mãe era de Natal, da família Wanderley. Fiquei aqui até 54, saí com 4, 5 anos. Depois disso fomos morar no Rio, em Copacabana, na velha Copacabana, gostosa, bucólica. Fui criado ali, na divisa entre Copacabana e Leblon, dos 5 aos 12 anos. Depois disso moramos no Pará, no Mato Grosso... Então voltamos pra Natal, para a Ribeira, onde tinha um quartel do Exército. Ficamos lá durante 2 anos, e foi nessa época que surgiram os Beatles. Eu estudava no Marista e já conhecia rock, ouvia muito Elvis, Little Richard...

C.L., I.P. e M.T.: A ligação com a música e o rock começou cedo, então?
Leno: Sim, sim. Minha família, meus tios tinham muita relação com música. Era mais aquela coisa de violão, seresta... Mas, ao mesmo tempo, o pessoal da minha turma já ouvia o rock´n roll. Pra onde a gente se mudasse eu carregava meus discos embaixo do braço. Eles eram meus companheiros, Elvis e tal. Quando os Beatles estouraram, eu já tinha uma certa bagagem, ainda da época de Copacabana, aquela coisa da juventude transviada.

C.L., I.P. e M.T.: Foi também quando você passou a se aventurar a tocar e cantar?
Leno: A história de aprender música foi mais aqui em Natal mesmo, com meus 13, 14 anos, quando ganhei meu primeiro violão e formei a primeira banda de rock dessa cidade, o “The Shouters”. O nome era, claro, uma referência a “Twist and shout”, música que os Beatles gravaram no primeiro disco deles.

C.L., I.P. e M.T.: E como era a estrutura?
Leno: Isso tudo aconteceu no ano de 1964. A gente não tinha a menor estrutura, era tudo acústico... Três violões e uma bateria. Nesse tempo era muito difícil de se ver um baixo elétrico ou uma guitarra. A gente tocava na escola, devia ter umas 10 músicas no repertório. Era basicamente só Beatles. O primeiro show foi no ginásio do Atheneu. A banda ainda chegou a tocar na rádio Clube, na rádio Rural, que funcionava lá no antigo Cine Rex, na avenida Rio Branco. Eu lembro que tinha um auditório enorme, os programas eram ao vivo... Nessa época, eu ganhei o primeiro cachê da minha vida, tocando numa formatura da turma de direito de 1964.

C.L., I.P. e M.T.: De quanto foi o cachê?
Leno: O dinheiro deu pra comprar exatamente dois LP´s dos Beatles.

C.L., I.P. e M.T.: E quais foram?
Leno: Foram os únicos que tinham sido lançados por aqui até então. “Beatles Again” e “Beatlemania”. Eram como coletâneas com os maiores sucessos. Logo depois disso, quando eu voltei pro Rio, o pessoal da banda me deixou escolher um dos discos pra levar. Eu escolhi o “Beatles Again”, que tenho até hoje...

C.L., I.P. e M.T.: Como foi essa segunda ida para o Rio?
Leno: Eu estava prestes a fazer 16 anos e fui morar no mesmo prédio dos tempos de infância. Chegando lá, reencontrei minha amiguinha daquela época, das brincadeiras e tal. O nome dela era Lílian. Esse prédio que a gente morava era pertinho da TV Rio, então a principal emissora de lá. Já existia o programa do Carlos Imperial e também um programa chamado Hoje é dia de rock, que acontecia no sábado à tarde...

C.L., I.P. e M.T.: Era o embrião da Jovem Guarda?
Leno: Era a Jovem Guarda se formando, só que ainda sem o batismo. Eu me lembro do dia seguinte à minha chegada no Rio. Eu acordei e fui ver a Lílian. A gente começou a conversar e ela me contou que estava namorando o guitarrista de um conjunto... Era o Renato! O do Blue Caps! E a banda Renato e seus Blue Caps eu já conhecia aqui de Natal! Acho, inclusive, que aqui foi a primeira cidade fora do Rio onde eles se apresentaram. Nesse mesmo dia o Renato apareceu por lá e nós ficamos amigos, tocamos violão, essas coisas. É engraçado que com um tempo as pessoas pensavam que eu tinha algo com a Lílian...

C.L., I.P. e M.T.: E tinha?
Leno: Não, nós sempre fomos apenas amigos. O Renato também ficou muito meu amigo nessa época. Foi ele, inclusive, quem incentivou a gente a formar a dupla. Por esses tempos, o grupo do Renato se apresentava muito no programa do Carlos Imperial, que se chamava Brotos no 13 e ia ao ar de segunda a sexta às 17h. Quem também estava sempre por lá era o Roberto (Carlos), o Erasmo, Wanderléa, Golden Boys... todo mundo começando. Como a TV Rio era perto do prédio onde eu e a Lílian morávamos, lá acabou virando meio que um ponto de encontro dessa turma. Era quase como um camarim (risos).

C.L., I.P. e M.T.: Foi aí que nasceu a dupla Leno e Lilian?
Leno: Pouco depois disso, a CBS, que era a gravadora do Renato, convidou a mim e a Lílian para um teste, através do Evandro Ribeiro. O Evandro, que era o presidente da CBS, foi para a Jovem Guarda o que o George Martin foi para os Beatles. Nesse teste nós levamos três músicas: Pobre Menina, Devolva-me e Words of Love, essa última gravada pelos Beatles. O Evandro ficou alucinado pelo material e já agendou a gravação para a semana seguinte! Então nós gravamos o compacto com “Devolva-me” no lado A e “Pobre menina” no lado B.

C.L., I.P. e M.T.: Acabou sendo um compacto com “duplo lado A”...
Leno: Exato! As duas músicas estouraram. Esse compacto simples foi o que mais vendeu na história da música brasileira! Foi depois disso que nós assinamos contrato com a TV Record para participar do programa “Jovem Guarda”. Em 1966 nós gravamos o primeiro LP, que até hoje é considerado por muita gente como um dos melhores da história do rock brasileiro. Eu, na verdade, acho que poderia ter ficado melhor, sabe? Foi tudo gravado às pressas, com instrumentos precários...

C.L., I.P. e M.T.: Como o amadurecimento dos Beatles, no decorrer da década de 60, refletiu na Jovem Guarda e em você, particularmente?
Leno: Olha, foi uma coisa gradual, embora o Sgt. Pepper´s tenha sido realmente uma porrada. A gente já conhecia o Revolver, que, por sinal, eu acho mais legal que o Sgt. Pepper´s.

C.L., I.P. e M.T.: Mas dentro da Jovem Guarda houve algum tipo de resistência ao novo caminho que os Beatles optaram por trilhar?
Leno: Na verdade, a resistência foi mais do público que nossa. O Brasil talvez não estivesse preparado pra toda aquela inovação. Nós artistas achávamos ótimo, até pelo desafio de fazer coisas novas. Tanto que quando a dupla Leno e Lílian separou pela primeira vez, eu experimentei um pouco nessa área com o disco “Vida e obra de Johnny McCartney”, em parceria com o Raul Seixas.

C.L., I.P. e M.T.: Como foi esse processo de “separação musical” entre você e Lílian?
Leno: Aconteceu em 1967. O problema foi a diferença de temperamento mesmo. Lílian tinha uma visão muito romântica das coisas. Era um lance muito “conto de fadas”. Eu tinha uma visão mais profissional, queria ensaiar, compor. Pôxa, a gente nunca fez música junto e eu sentia falta disso. Então foi basicamente isso, diferença de pensamento mesmo. Quando esse desgaste começou a ser mais aparente a gravadora me convidou pra ser artista-solo. O estopim foi num dia que a Lílian faltou a um programa de televisão onde a gente ia receber um prêmio. Estávamos em primeiro lugar na parada da TV Rio e simplesmente a Lílian não me aparece! Acabou que quem me socorreu foi a Martinha, outra voz de muito sucesso na Jovem Guarda. Ficou um negócio mais ou menos assim: E em primeiro lugar, Leno e... Martinha!!! (Risos). Aí não tinha mais clima e o Evandro me convidou pra cantar sozinho.

C.L., I.P. e M.T.: O público reagiu bem à separação da dupla? Houve muita cobrança?
Leno: Por incrível que pareça, não. Eu até me surpreendi. O público foi muito receptivo comigo. Talvez até por pensar assim: “Ah, coitadinho do Leno... A Lílian abandonou ele pra ficar com o Márcio...” (risos). E ficou nessa, todo mundo no maior carinho comigo. Eu confesso que não achei ruim de jeito nenhum! (risos). Meu primeiro lançamento como artista solo foi “A pobreza”, que, inclusive, vendeu mais que “Pobre Menina”. Eu continuava escrevendo músicas mais inocentes e tal, como “A festa dos seus 15 anos”. Foi quando veio o AI-5... Então eu percebi que precisava passar algo mais com a minha música. Aliás, não só eu como toda a classe artística.

CONTINUA


*Itaércio Porpino e Marcelo Tavares são jornalistas do
Guia Cultural Solto na Cidade

Foto: Larissa Borges

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