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sexta-feira, 2 de setembro de 2011

O pacotão da jovem guarda

O pacotão da jovem guarda

EMI raspa o tacho dos acervos da Odeon e da Copacabana e lança coleção de 25 CDs duplos de artistas do movimento e de seus precursores. Mas a qualidade dos títulos é discutível

Rodrigo Faour
02/12/2000
Quando a gente pensa que a brasa da jovem guarda está se apagando, acontece alguma coisa que a incendeia novamente. Depois do recente lançamento de dois livros sobre o movimento (No Embalo da Jovem Guarda, de Ricardo Pugiali, e Jovem Guarda: Em Ritmo de Aventura, de Marcelo Fróes) e de diversas reedições de discos do catálogo da Sony Music, agora é a vez da EMI Music desovar o velho acervo de iê iê iê das antigas Odeon e Copacabana. A série Bis Jovem Guarda apresenta 25 títulos em forma de CDs duplos, que repescam os grandes nomes do movimento, como Wanderléa, Wanderley Cardoso, Eduardo Araújo, Sérgio Reis, Golden Boys, Martinha, Deni & Dino, The Fevers, The Jordans e Trio Esperança, bem como os ícones da juventude pré-JG, como Betinho, Tony & Celly Campello e Ronnie Cord.

No extenso pacote, acabaram entrando também integrantes do quarto escalão da jovem guarda, como alguns dos diversos grupos de covers da época (The Angels, The Supersonics, Os Carbonos) e nomes como Silvinha, Reynaldo Rayol e Elizabeth. Para completar, ainda vêm coletâneas de cantores que beberam na fonte do movimento e atingiram os píncaros do brega, como Cláudio Fontana, Jean Carlo e Paulo Sérgio, e dois álbuns intitulados Na Onda do Iê-Iê-Iê, com músicas de diversos artistas, famosos e obscuros.

Em sua maioria, não é o melhor da jovem guarda o que a EMI traz na coleção Bis. Como artistas mais importantes do movimento eram de outras gravadoras - caso de Roberto, Erasmo Carlos e Wanderléa (essa última tem apenas sua fase MPB resgatada na série) -, sobram apenas alguns poucos sucessos de apelo popular - o resto é aquela enxurrada de solos de guitarra e órgão típicos da época. As letras soam, em sua maioria, ingênuas para a juventude de hoje, as versões de diversos standards do rock internacional são risíveis e a grande maioria das vozes não chegam a empolgar. Muitos dos artistas enfocados não mereceriam mais do que dez faixas numa coletânea, quanto mais 28 em cada CD. Mas, como tudo hoje em dia é capaz de ser reciclado, quem sabe essa coleção pode não gerar novos (velhos) sucessos?

As coletâneas, artista a artista:

Eduardo Araújo ouvir 30s- Antes de trilhar o caminho da música sertaneja, o cantor se esbaldou em petardos como Vem Quente que Eu Estou Fervendo e Goiabão (ambas parcerias suas com Carlos Imperial), o clássico O Bom (só de Imperial) e Deixa de Banca (Les Cornichons), também gravada por Erasmo Carlos e Reginaldo Rossi. Mas seu disco traz algumas surpresas. Uma delas é Rua Maluca, versão de Funky Street (hit da soul music de Sam & Dave), assinada por Tim Maia. Você e Eu Amo Você (de Cassiano) são dois sucessos do soulman que Eduardo também gravou e que acabaram incluídos na coletânea. No álbum, Tim ainda é o autor de Dudu da Nenén, Neném do Dudu e, com certeza, a inspiração para o acento soul do jovemguardista das infelizes versões de Ave Maria no Morro e No Rancho Fundo.

Silvinha ouvir 30s - Mulher de Eduardo Araújo, Silvinha tinha voz metálica, com uma grande influência de Janis Joplin, que fica evidente na versão endiabrada do baião Paraíba ("Masculina/ Mulher macho sim senhor"). Era bem diferente da cantora apurada e de timbre bem trabalhado que se tornaria mais tarde, gravando inclusive muitos jingles. Da fase jovem guarda, ela desfiava no álbum um repertório de canções adolescentes, como Professor Particular, Banho de Sorvete e algumas de andamento mais pesado, como o rock-macumba Feitiço de Broto.

Betinho ouvir 30s- Este com certeza é o CD mais interessante e indispensável da série Bis Jovem Guarda. Trata-se do resgate do pioneiríssimo astro do rock nacional, Betinho. Ele foi, ao lado de Nora Ney e Cauby Peixoto, um dos primeiros a gravar rocks no Brasil. Ex-cantor de cassinos, Betinho formou um conjunto que fez muito sucesso com o fox Neurastênico. A partir de 1957, ele passou a empunhar uma guitarra elétrica e a cantar diversos rocks, como Rock do Galinheiro, Enrolando o Rock, Minha Garota (My Little Baby). Mais tarde, arriscou calipsos e twists. A curiosidade do disco é uma indigesta bossa nova, A Cachorrinha da Madame, já de um disco de 1963, época em que o artista começava a entrar em ostracismo.

Ronnie Cord - Logo após Betinho, vieram Tony, Celly Campello e Ronnie Cord, abrindo caminho para a geração jovem guarda propriamente dita. Cantor de voz suave, Ronnie engata roquinhos como Você Me Venceu (You're Knockin' Me Out) e diversos outros sucessos estrangeiros no original, como Itsy Bitsy Teenie Wennie Yellow Polkadot Bikini (aquela do "Biquini de bolinha amarelinha"), Jailhouse Rock (do repertório de Elvis) e Oh! Carol (do de Neil Sedaka), entre outros. Mas não se deixe enganar: o disco não traz o maior sucesso de Ronnie, Rua Augusta, composta por seu pai, Hervé Cordovil.

Tony Campello - Assim como a irmã Celly, Tony Campello gravou basicamente versões de baladas e roquinhos americanos da virada dos anos 50 para os 60, bastante influenciado por nomes como Paul Anka e Pat Boone. Destaque para o risível Boogie do Bebê (Babysitter-Boogie) e Pertinho do Mar (South of the Border), além de Baby Face e Lobo Mau (The Wanderer), que o cantor gravou antes da célebre interpretação de Roberto Carlos.

Celly Campello ouvir 30s- Bem mais expressiva e divertida que o irmão, Celly Campello tem um timbre tão marcante e fez algumas gravações tão sensacionais de Banho de Lua, Estúpido Cupido, Broto Legal e Túnel do Amor que é obrigatória em qualquer discoteca básica de rock nacional. A cantora é irresistível mesmo quando defende as músicas mais bobinhas, como Hey Mama ("Mamãe me repreendeu e quase me bateu porque me viu flertar com meu brotinho na esquina, hey mama!"). As faixas mais raras da coletânea são os roquinhos Isso É Amor (That's Love), O Jolly Joker (Der Jolly Joker) e Querido Cupido (uma rara nacional, de Fred Jorge e Archimedes Messina).

Cláudio Fontana e Paulo Sérgio - Carbonos piorados e caricatos de Roberto Carlos. Fontana é um pouco mais divertido aos ouvidos de hoje. Começou a gravar em 1969, quando a jovem guarda já havia terminado, e entrou pelos 70 apostando no rock-balada. Para alegrar uma festa cafona, nada melhor que suas O Tempo Me Traiu (versão de Listen to the Music, hit dos Doobie Brothers) e as impagáveis Estou Amando uma Garota de Cor e Meus Ídolos ("Por isso sou fã é de Luther King e Éder Jofre, o rei do ringue"). Não contente em imitar o Rei, Paulo Sérgio ainda vinha com repertório e arranjos absolutamente sem imaginação.

Golden Boys - Um dos grupos mais famosos da Jovem Guarda, os Golden Boys colecionaram sucessos a partir de 1964, como Alguém na Multidão e Erva Venenosa (Poison Ivy), relida pelo Herva Doce nos anos 80 e neste ano por Rita Lee. Mas o CD começa com suas primeiras gravações em 78 rpm, do fim dos anos 50, como Meu Romance com Laura, mais covers de Roy Orbison (Lana) e dos Everly Brothers (Wake up Little Susie). Na fase jovem guarda, eles gravaram inúmeras versões de sucessos dos Beatles, como Michelle, Yesterday e I Want to Hold Your Hand. Depois, tiveram sucessos como Fumacê (pioneira no assunto explorado hoje em dia pelo Planet Hemp) e O Cabeção.

Sérgio Reis - Antes de embrenhar-se pela música sertaneja, assim como Eduardo Araújo, o cantor teve sua fase iê iê iê, defendendo rock-baladas mais adequados à sua voz macia do que rocks mais enérgicos. Pena que seu repertório dessa fase traga tantas canções fracas. A melhor ainda continua sendo o roquinho romântico Coração de Papel (1966). Destaca-se ainda uma versão (sonolenta, é verdade!) para Here, There and Everywhere, dos Beatles.

Wanderléa ouvir 30s - Da fase jovem guarda da Ternurinha, toda gravada na CBS (hoje Sony), a Odeon pescou duas faixas: Prova de Fogo e Eu Já nem Sei, só para justificar a inclusão da cantora na coleção. As demais faixas são dos discos Vamos Que Eu Já Vou (1977) e Mais Que a Paixão (1978), quando a cantora enveredou por um caminho mais experimental da MPB, influenciada por Egberto Gismonti, então seu namorado. No repertório, canções do próprio Egberto (Calypso, Café, Carmo, Educação Sentimental), Gonzaguinha (A Felicidade Bate à Sua Porta, Lindo e Guerreiro S. João), Luiz Melodia (Segredo) e Djavan (O Canto da Lira). O disco dois, que traz as músicas de Mais Que a Paixão, é mais eclético e digerível.

Reynaldo Rayol - Não tinha um timbre tão marcante e potente quanto o do irmão Agnaldo, mas seu repertório era tão cheio de bobagens quanto o dele. Como a maioria dos artistas da jovem guarda, ele fez diversas versões de sucessos estrangeiros de gente como Cliff Richard (I'm Gonna Get You), Trini Lopez (If I Had a Hammer) e Joey Dee & The Starliters (The Peppermint Twist, esta ainda como crooner do conjunto Renato e seus Blue Caps). Como curiosidade, vale ouvir Eu Quero Twist, uma das primeiras canções de Erasmo Carlos (em parceria com Carlos Imperial).

Trio Esperança - Um dos grupos mais populares da jovem guarda foi o mirim Trio Esperança, formado por Eva (Evinha), Regina (Regininha) e Mário. O disco traz seus maiores hits, como Filme Triste (Sad Movies) e A Festa do Bolinha, e vai acompanhando a evolução do grupo que foi ficando mais afinado com o passar do tempo, realçando os belos vocais das duas cantoras - que depois seguiram carreira solo e, mudaram-se para a França e, nos anos 90, voltaram a atuar com o Trio (sem Mário), cantando MPB.

Os Carbonos - Como o próprio nome diz, é um grupo de covers de tudo que se possa imaginar. Destaca-se a versão brasileira de Yellow River, Rio Amarelo.

The Angels - Covers no original em inglês ou apenas instrumental de canções que vão de The Hully Gully a Peter Gunn (Henri Mancini), tudo com aquele órgãozinho típico dos anos 60 e guitarra trêmolo.

The Jordans - Outro grupo de covers. Grande parte dele é apenas instrumental. O diferencial são os sopros à la Henri Mancini e outras orquestras da época. Pura lounge music. A versão de Namoradinha de um Amigo Meu, tocada como se fosse um standard, é hilária.

The Fevers - Esse é um caso raro de grupo que fez mais sucesso a partir dos anos 70 do que na época da JG. O CD do grupo traz muitos covers instrumentais de sucessos estrangeiros e nacionais, como Goodnight Irene e O Pica Pau, sem maior inventividade. Destacam-se algumas versões engraçadas de sucessos dos Beatles (Let it Be virou Deixa Assim), dos Archies (Sugar, Sugar, ou melhor, Menina Doce) e de Burt Bacharach (Always Something To Remind Me acabou como Você Pode Esquecer-me).

Wanderley Cardoso - É incrível imaginar como canções chinfrins como O Bom Rapaz e Doce de Coco ("Você não é doce de coco, mas enjoei de você") possam ter feito tanto sucesso. Mas o pior é que fizeram. Wanderley Cardoso foi um dos maiores vendedores de discos da jovem guarda, mas sua obra não resiste ao tempo, apesar de sua boa voz. Vou Me Embora, Vou Sumir é uma das melhores faixas da coletânea, bem em cima do lado roqueiro de Roberto Carlos.

Elizabeth, Martinha, Deny & Dino - A cantora e compositora carioca Elizabeth teve apenas um grande sucesso, Sou Louca por Você. A mineira Martinha também compunha e chegou a ter algumas músicas gravadas no exterior. Embora tenha conseguido alguns sucessos, como Barra Limpa, Eu Daria a Minha Vida e Eu Te Amo Mesmo Assim, sua obra não se destaca. Deny & Dino também emplacaram dois grandes sucessos, Coruja e O Ciúme, mas é difícil passar da quinta faixa do CD.

Na Onda do Iê-Iê-Iê - Volumes 1 e 2 - Para super aficcionados, há mais 56 faixas de artistas obscuros diversos, do quarto e quinto times da jovem guarda, como Denise Barreto, Bobby de Carlo, Monny, Mário Augusto, Chiquita, Teddy Milton, Cleide Alves, Os Minos (do então adolescente Pepeu Gomes), Os Lordes, Suzy Darlen, Selma Rayol, Diana e tantos outros. Até Wilson Simonal (Garota Legal) e o palhaço Carequinha (Rock do Ratinho) foram escalados. Algumas farão a alegria de uma festa brega.

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